10 de abril de 2008

desafios

Bom, acordei eu ontem muito descansada, com a sensação de que ainda dormia mais outras tantas horas mas que não tinha hipóteses, e entro na minha rotina diária... ligar o PC e ver as novidades nos meus blog's favoritos. É assim quase como ver a correspondência ou ler as letras gordas nos jornais, tão a ver ;)

Vou então ao primeiro blog, que não podia deixar de ser o da minha estrela, e qual não é o meu espanto quando constato que fui "amaldiçoada" com um dos desafios que anda a percorrer uma das partes da blogosfera: indicar 5 autores ou obras literárias preferidas e um autor ou livro que merece apodrecer na prateleira.

Pronto, "estava o caldo entornado"! A minha estrela lança-me assim a batata quente para a mão, sem dó nem piedade e eu agora que me arranje.

Mas eu, como não sou mulher de virar a cara a um desafio, aqui estou, para da melhor forma possível, ultrapassar o "teste".

Começo por dizer, que a minha história com os livros nunca foi muito pacifica!
Quando era nova, e na escola me obrigavam a ler obras sem qualquer opção de escolha pelo autor/tema, fugia o mais que podia. Assim, lá ficaram na prateleira Os Maias, As Viagens na Minha Terra, A Queda de Um Anjo, Os Lusíadas, e mais alguns que de momento não me vêm à memória.

Nunca gostei de fazer estas coisas obrigada!

Apesar de em minha casa, tanto os meus pais como a minha irmã devorarem livros, eu nunca me senti atraída por nenhum dos temas à disposição, que basicamente andavam entre a ficção científica e os policiais. Ainda hoje são temas que não me suscitam grande interesse.

Só mais tarde, já depois de terminada a faculdade, os meus sentidos despertaram para a leitura, e desde aí os livros passaram a ser uma companhia constante. Mas sou muito selectiva no que leio, e não começo um livro de um autor que desconheça sem antes ter muito boas referências dos mesmos.

Pela razão anterior, a minha biblioteca é compostas por vários livros do mesmo autor. Quando gosto, procuro adquirir tudo desse mesmo autor e assim tenho algumas colecções que guardo com muito gosto e orgulho.

Posto isto, passo a enumerar os autores da minha preferência, sem nenhuma ordem hierárquica, seguidos de um breve excerto de uma das suas obras, na tentativa de atiçar para a sua leitura alguma alma que queria ser atiçada ;)






Mário de Sá Carneiro


"(...) Mas afinal o que vem a ser a loucura? Um enigma... Por isso mesmo é que às pessoas enigmáticas, incompreensíveis, se dá o nome de loucos... Que a loucura, no fundo, é como tantas outras, uma questão de maioria. A vida é uma convenção: isto é vermelho, aquilo é branco, unicamente porque se determinou chamar à cor disto vermelho e à cor daquilo branco. A maior parte dos homens adoptou um sistema determinado de convenções: é a gente de juízo... Pelo contrário, um número reduzido de indivíduos vê os objectos com outros olhos, chama-lhes outros nomes, pensa de maneira diferente, encara a vida de modo diverso. Como estão em minoria, são doidos...
Se um dia porém a sorte favorecesse os loucos, se o seu número fosse o superior e o género da sua loucura idêntico, eles é que passariam a ser os ajuizados.
Na terra dos cegos quem tem um olho é rei, diz o adagio: na terra dos doidos, quem tem juízo, é doido, concluo eu.
O meu amigo não pensava como toda a gente... Eu não o compreendia: chamava-lhe doido. Eis tudo."

"Loucura", por Mário Sá Carneiro









Gabriel Garcia Marques


“Muitos anos depois, diante do pelotão de fuzilamento, o Coronel Aureliano Buendía havia de recordar aquela tarde remota em que seu pai o levou para conhecer o gelo”

(...)

"Então deu outro salto para se antecipar às predições e ver a data e as circunstâncias da sua morte. No entanto, antes de chegar ao verso final, já tinha percebido que não sairia nunca desse quarto, pois estava previsto que a cidade dos espelhos (ou das miragens) seria arrasada pelo vento e desterrada da memória dos homens no momento em que Aureliano Babilonia acabasse de decifrar os pergaminhos, e que tudo o que neles estava escrito era irrepetível desde sempre e para sempre, porque as estirpes condenadas a cem anos de solidão não tinham uma segunda oportunidade sobre a Terra.”

"Cem Anos d
e Solidão", de Gabriel García Márquez





Luís Sepulveda


"- Vais voar, Ditosa. Respira. Sente a chuva. É água. Na tua vida terás muitos motivos para ser feliz, um deles chama-se água, outro chama-se vento, outro chama-se sol e chega sempre como recompensa depois da chuva. Sente a chuva. Abre as asas – miou Zorba.
A gaivota estendeu as asas. Os projectores banhavam-na de luz e a chuva salpicava-lhe as penas de pérolas. O humano e o gato viram-na erguer a cabeça de olhos fechados.
- A chuva, a água. Gosto! – Grasnou.
- Vais voar – miou Zorbas.
- Gosto de ti. És um gato muito bom – grasnou ela aproximando-se da beira do varandim.
- Vais voar. Todo o céu será teu – miou Zorbas.
- Nunca te esquecerei. Nem aos outros gatos – grasnou já com metade das patas de fora do varandim, porque, como diziam os versos de Atxaga, o seu pequeno coração era o dos equilibristas.
- Voa! – miou Zorbas estendendo uma pata e tocando-lhe ao de leve.
Ditosa desapa
receu da sua vista, e o humano e o gato temeram o pior. Caíra como uma pedra. Com a respiração suspensa, assomaram as cabeças por cima do varandim, e viram-na então, batendo as asas, sobrevoando o parque de estacionamento, e depois seguiram-lhe o voo até às alturas, até mais para além do cata-vento de ouro que coroava a singular beleza de São Miguel.

(...)

- Que só voa quem se atreve a fazê-lo – miou Zorbas.

“História de uma Gaivota e do gato que a ensinou a voar”, Luís Sepulveda






Ernest Hemingway


"A linha subia devagar e firme, e então a superfície do oceano arqueou à frente do barco, e o peixe apareceu. Apareceu interminavelmente, e dos lombos lhe escorria água. Brilhava ao sol, e a cabeça e o dorso eram púrpura-escura, e ao sol as listras nos lados eram largas e cor de alfazema. O dardo era do tamanho de uma pá de «baseball» e em forma de florete. Saiu a todo o comprimento fora de água e voltou a ela, suavemente, como um nadador, e o velho viu a grande foice da cauda afundar-se e a linha começar a correr. (...)

«É um grande peixe, e tenho de o convencer», pensou. «Não devo deixá-lo nunca tomar conhecimentoda sua própria força, nem do que poderia fazer se corresse. Se eu estivesse no lugar dele, jogava o tudo por tudo, até que alguma coisa rebentasse. Mas, graças a Deus, não são tão inteligentes como nós, que os matamos, embora sejam mais nobres e mais capazes.»"

"O Velho e o Mar", Ernest Hemingway






José Saramago


"Se antes de cada acto nosso nos puséssemos a prever todas as consequências dele, a pensar nelas a sério, primeiro as imediatas, depois as prováveis, depois as possíveis, depois as imagináveis, não chegaríamos sequer a mover-nos de onde o primeiro pensamento nos tivesse feito parar. Os bons e os maus resultados dos nossos ditos e obras vão-se distribuindo, supõe-se que de uma forma bastante uniforme e equilibrada, por todos os dias do futuro, incluindo aqueles, infindáveis, em que já cá não estaremos para poder comprová-lo, para congratular-nos ou pedir perdão, aliás, há quem diga que isso é que é a imortalidade de que tanto se fala."

"Ensaio sobre a Cegueira", José Saramago


Finalmente, deixaria na prateleira a apodrecer, o Miguel Esteves Cardoso, porque o tipo de escrita deste senhor não me suscita o minímo interesse. Pode ser muito bom, dizer muitas verdades, mas a mim não me apatece ler.

Resta-me desejar a todos boas leituras, sejam elas quais forem. O importante é ler!

Para dar seguimento a este desafio é que está complicado.
Não tenho muitas visitas, e como tal, não tenho muitas pessoas para nomear.
Assim, "amaldiço-o" a ARTEMIS e o blog o meu avesso com este desafio.